Por Fabio Silvestre Cardoso*, especial para o Blog Microexato
Um dos principais gargalos da sociedade brasileira, a educação, torna-se um problema ainda maior quando a criança com TEA é colocada em perspectiva. Em um país com resultados tão pouco expressivos em interpretação de texto e matemática, por exemplo, à primeira vista, não parece possível que essa situação seja mais dramática. Só que o desenvolvimento das crianças com TEA faz com que o cenário fique ainda mais sensível, conforme as pesquisas e os especialistas têm revelado.
Em entrevista ao podcast “Saúde Sem Complicações[1]”, da USP, Erikson Felipe Furtado, professor do departamento neurociências e ciências do comportamento da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, faz uma constatação pertinente sobre o tema: “a escola entrou nas nossas vidas e faz uma diferença fundamental para todos nós por conta das exigências da sociedade”. Mas não é só isso.
Existe um determinante legal que deve ser respeitado. A Constituição Federal de 1988 garante a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família, [que] será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Para além disso, desde 2012 está em vigor a lei que pune o gestor ou autoridade escolar que se recusar a matricular o aluno com transtorno do espectro autista ou de qualquer outro tipo de deficiência.
Desse modo, não é possível ignorar a condição das crianças com TEA. Assim como as demais crianças, elas também precisam do espaço escolar para a interação, do ambiente e do contexto que envolve a educação. “No caso da criança com autismo, como qualquer outra criança que apresenta necessidades especiais do seu desenvolvimento, ela tem o direito de ter uma escola que responda adequadamente às suas necessidades”, observa Furtado em entrevista ao “Saúde Sem Complicações”.
Em um trabalho[2] publicado a propósito das práticas inclusivas de crianças com TEA, as pesquisadoras Claudia de Faria Barbosa e Emili Santana Peixoto relatam a experiência nas escolas
públicas regulares que têm alunos autistas matriculados. No texto, as autoras observam que, dos anos 1960 para cá, as escolas partiram do modelo “educação especial para inclusão escolar”. Ao apontarem as diferenças, não resta dúvida de que houve mudanças bastante significativas.
Assim escrevem Claudia Barbosa e Emili Peixoto:
“Partia-se do pressuposto de que o aluno precisava se adaptar à escola, onde ele compartilhava do mesmo espaço físico dos colegas, independente de haver a garantia de reciprocidade entre eles, ou seja, não haveria uma interferência pedagógica nessa relação. A inclusão chega para mudar essa prática de que bastava apenas estarem próximos para que a pessoa com deficiência fizesse parte do corpo social”.
Quanto à primeira experiência, realizada em uma instituição municipal localizada em um bairro de classe média da cidade de Jequié, na Bahia, as pesquisadoras destacam que, muito embora a professora da escola tivesse embasamento teórico acerca do TEA, era com a cuidadora que a criança se sentia mais à vontade. “Durante as observações, percebeu-se que o aluno tem mais afinidade com a cuidadora, com quem passa a maior parte do tempo, inclusive no intervalo, quando arrisca algumas brincadeiras com os colegas da sala, que conhecem suas limitações”, escrevem as pesquisadoras. Como o comportamento se mostrava disruptivo, oscilando entre a dispersão e a agressividade, a criança chegava a ser retirada de sala de aula.
Já na segunda experiência, desta feita em uma escola localizada na periferia da cidade, a criança aparentava “ser pacata, tem uma socialização com seus colegas de turma e de outras séries em momentos de recreação”. Nesse sentido, ela não se mostrou agressiva durante a observação, mas era perceptível, de acordo com o testemunho da professora, a dificuldade em atender às necessidades do aluno. Diferentemente da outra instituição, esta não contava com aparato necessário para seu ingresso.
Como ressaltam as pesquisadoras, as professoras das escolas de Jequié contavam, sim, com tempo significativo em sala de aula, mas sentiam que não havia uma proposta adequada que incluísse esses alunos. “Apesar de possuir o aparato teórico, elas [as professoras] não se sentem totalmente preparadas para lidar com essas demandas”.
A resposta à pergunta acima não é simples.
De sua parte, na entrevista que concedeu ao podcast “Saúde Sem Complicações”, o pesquisador Erikson Furtado reforça a necessidade de a criança com TEA participar do ambiente escolar. “Essa participação é sempre útil e benéfica, especialmente quando a escola é acolhedora, trabalhando a experiência para as demais crianças”. Para os alunos com desenvolvimento típico, o ganho fundamental está na convivência com o outro, com as diferenças. Já para a criança com autismo, é benéfico porque as interações, os desafios do ambiente estão muito mais presentes do que em qualquer outra experiência cotidiana. O professor da USP reconhece, no entanto, que a experiência vai variar de acordo com os recursos que cada escola apresenta.
Nesse sentido, tomando como referência o trabalho das pesquisadoras Claudia Barbosa e Emili Peixoto, existem alguns pontos norteadores, a saber: (i) estabelecer relações de empatia com o aluno e aceitar suas formas de interação; (ii) adotar a estratégia de abaixar e olhar nos olhos das crianças ao se comunicar; (iii) utilizar recursos diferenciados na realização de atividades; (iv) mostrar afetividade; (v) compreender que a criança tem seu tempo; e (vi) chamar a atenção para que a criança saia do seu mundo.
Em um momento em que a palavra inclusão ganha tração na discussão sobre direitos não apenas na agenda do terceiro setor, mas, também, junto às empresas e aos governos, torna-se urgente debater e promover as melhores práticas para tornar a educação, de fato, acessível a todos, independente de suas particularidades.
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[1] O episódio completo do podcast está disponível a partir do link a seguir: https://jornal.usp.br/podcast/saude-sem-complicacoes-57-a-importancia-do-ambiente-escolar-no-desenvolvimento-da-crianca-autista/. Acesso em 25 mai. 2021
[2] O texto completo está disponível a partir do link a seguir: http://anais.uesb.br/index.php/semgepraxis/article/viewFile/8236/7904. Acesso em 25 mai. 2021 ________________________
*Fabio Silvestre Cardoso é jornalista, doutor em Integração da América Latina pela USP e mestre em Comunicação pela Universidade Anhembi Morumbi. É autor do livroCapanema, lançado pela Editora Record. Linkedin
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